Não incide IPI no desembaraço aduaneiro de veículo importado por consumidor para uso próprio. Isso porque o fato gerador da incidência do tributo é o exercício de atividade mercantil ou assemelhada, quadro no qual não se encaixa o consumidor final que importa o veículo para uso próprio e não para fins comerciais. Ademais, ainda que assim não fosse, a aplicação do princípio da não cumulatividade afasta a incidência do IPI. Com efeito, segundo o art. 49 do CTN, o valor pago na operação imediatamente anterior deve ser abatido do mesmo imposto em operação posterior. Ocorre que, no caso, por se tratar de importação feita por consumidor final, esse abatimento não poderia ser realizado. Precedentes citados do STJ: AgRg no AREsp 357.532-RS, Segunda Turma, DJe 18/9/2013; AgRg no AREsp 333.428-RS, Segunda Turma, DJe 22/8/2013; AgRg no REsp 1.369.578-SC, Primeira Turma, DJe 12/6/2013; e AgRg no AREsp 215.391-SC, Primeira Turma, DJe 21/6/2013. Precedentes citados do STF: RE 550.170-SP AgR, Primeira Turma, DJe 3/8/2011; e RE 255.090-RS AgR, Segunda Turma, DJe 7/10/2010. REsp 1.396.488-SC, Rel. Min. Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 25/2/2015, DJe 17/3/2015.
Quando a assistência judiciária gratuita for deferida, a eficácia da concessão do benefício prevalecerá, independentemente de renovação de seu pedido, em todas as instâncias e para todos os atos do processo – alcançando, inclusive, as ações incidentais ao processo de conhecimento, os recursos, as rescisórias, assim como o subsequente processo de execução e eventuais embargos à execução –, somente perdendo sua eficácia por expressa revogação pelo Juiz ou Tribunal. Isso porque não há previsão legal que autorize a exigência de renovação do pedido de assistência judiciária gratuita em cada instância e a cada interposição de recurso, mesmo na instância extraordinária. Ao contrário, o art. 9º da Lei 1.060/1950 estabelece expressamente a eficácia da decisão deferitória do benefício em todas as instâncias e graus de jurisdição. Com efeito, a concessão do benefício, por compor a integralidade da tutela jurídica pleiteada, comporta eficácia para todos os atos processuais, em todas as instâncias, alcançando, inclusive, as ações incidentais ao processo de conhecimento, os recursos, as rescisórias, assim como o subsequente processo de execução e eventuais embargos à execução, sendo despicienda a constante renovação do pedido a cada instância e para a prática de cada ato processual. Essa é a interpretação mais adequada da legislação, especialmente da Lei 1.060/1950 (arts. 4º, 6º e 9º), e consentânea com os princípios constitucionais da inafastabilidade da tutela jurisdicional e do processo justo, com garantia constitucional de concessão do benefício da assistência judiciária gratuita ao necessitado (art. 5º, XXXV, LIV e LXXIV, da CF). Assim, desde que adequadamente formulado o pedido e uma vez concedida, a assistência judiciária gratuita prevalecerá em todas as instâncias e para todos os atos do processo, nos expressos termos assegurados no art. 9º da Lei 1.060/1950 (reiterado no parágrafo único do art. 13 da Lei 11.636/2007). Contudo, perderá eficácia a concessão do benefício em caso de expressa revogação pelo Juiz ou Tribunal, quando comprovada a mudança da condição econômico-financeira do beneficiário. Isso porque a decisão que concede a gratuidade está condicionada à cláusula rebus sic standibus, primando pela precariedade e não gerando preclusão pro judicato. Dessa maneira, a renovação do pedido de gratuidade da justiça somente se torna necessária quando houver anterior indeferimento do pleito ou revogação no curso do processo. Por fim, cabe ressaltar que não se faz necessário, para o processamento de eventual recurso, que o beneficiário faça expressa remissão na petição recursal acerca do anterior deferimento da assistência judiciária gratuita, embora seja evidente a utilidade dessa providência facilitadora. Basta, portanto, que constem dos autos os comprovantes de que já litiga na condição de beneficiário da justiça gratuita. AgRg nos EAREsp 86.915-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 26/2/2015, DJe 4/3/2015.
O disposto no art. 184, § 1º, II, do CPC – que trata da possibilidade de prorrogação do prazo recursal em caso de encerramento prematuro do expediente forense – aplica-se quando o referido encerramento tiver ocorrido no termo final para interposição do recurso, e não no termo inicial. O § 1º do art. 184 do CPC trata das hipóteses em que haverá prorrogação do prazo quando seu vencimento cair em feriado ou em dia que for determinado o fechamento do fórum ou quando houver o encerramento do expediente forense antes da hora normal. Não há dúvida, portanto, de que a hipótese ora regulada trata exclusivamente do dies ad quem (dia do vencimento). Essa conclusão é reforçada pelo disposto no § 2º, o qual regula a única possibilidade em que haverá a prorrogação do dies a quo (“os prazos somente começam a correr do primeiro dia útil após a intimação”). Verifica-se, desse modo, que o legislador tratou de forma distinta as hipóteses de prorrogação do prazo referente ao dies a quo e ao dies ad quem nos parágrafos do art. 184 do CPC. Além da falta de previsão legal, a referida prorrogação não se aplica ao dies a quo em razão, também, da ratio da norma, que é justamente possibilitar àqueles que vierem a interpor o recurso no último dia do prazo não serem surpreendidos, indevidamente, com o encerramento prematuro do expediente forense, em obediência ao princípio da confiança, que deve proteger a atuação do jurisdicionado perante a Justiça, e assim conferir máxima eficácia à prestação jurisdicional. Ademais, não se vislumbra qualquer razão para se prorrogar o início da contagem do prazo processual em situação idêntica ocorrida no primeiro dia do prazo. É que, nessa hipótese, remanescerá para o recorrente a possibilidade de interpor o recurso nos dias subsequentes. Não há motivo lógico que justifique aplicar-se o regramento referente ao dies ad quem a esta hipótese. Desse modo, a prorrogação em razão do encerramento prematuro do expediente forense aplica-se tão somente em relação ao dies ad quem do prazo recursal. Precedentes citados: AgRg no Ag 1.142.783-PE, Quinta Turma, DJe de 17/5/2010; e AgRg no REsp 614.496-RJ, Primeira Turma, DJ 1º/2/2006. EAREsp 185.695-PB, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 4/2/2015, DJe 5/3/2015.
O recolhimento do valor correspondente ao porte de remessa e de retorno por meio de GRU Simples, enquanto resolução do STJ exigia que fosse realizado por meio de GRU Cobrança, não implica a deserção do recurso se corretamente indicados na guia o STJ como unidade de destino, o nome e o CNPJ do recorrente e o número do processo. Como se sabe, a tendência do STJ é de não conhecer dos recursos especiais cujos preparos não tenham sido efetivados com estrita observância das suas formalidades extrínsecas. Contudo, deve-se flexibilizar essa postura na hipótese em análise, sobretudo à luz da conhecida prevalência do princípio da instrumentalidade das formas dos atos do processo. No tocante às nulidades, as atenções no âmbito processual devem ser voltadas à finalidade dos atos, conforme preceitua o art. 244 do CPC. De igual modo, nas hipóteses de preparo recursal, esse mesmo norte também deve ser enfatizado. Com efeito, se a Guia de Recolhimento indica, corretamente, o STJ como unidade de destino, além do nome e do CNPJ da recorrente e do número do processo, ocorre o efetivo ingresso do valor pago nos cofres do STJ, de modo que a finalidade do ato é alcançada. Desse modo, recolhido o valor correto aos cofres públicos e sendo possível relacioná-lo ao processo e ao recorrente, então a parte merece ter seu recurso processado e decidido como se entender de direito. REsp 1.498.623-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 26/2/2015, DJe 13/3/2015.
Ainda que procedente o pedido formulado em ação popular para declarar a nulidade de contrato administrativo e de seus posteriores aditamentos, não se admite reconhecer a existência de lesão presumida para condenar os réus a ressarcir ao erário se não houve comprovação de lesão aos cofres públicos, mormente quando o objeto do contrato já tenha sido executado e existam laudo pericial e parecer do Tribunal de Contas que concluam pela inocorrência de lesão ao erário. De fato, a ação popular consiste em um relevante instrumento processual de participação política do cidadão, destinado eminentemente à defesa do patrimônio público, bem como da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural. Nesse contexto, essa ação possui pedido imediato de natureza desconstitutivo-condenatória, porquanto objetiva, precipuamente, a insubsistência do ato ilegal e lesivo a qualquer um dos bens ou valores enumerados no inciso LXXIII do art. 5º da CF e a condenação dos responsáveis e dos beneficiários diretos ao ressarcimento ou às perdas e danos correspondentes. Tem-se, dessa forma, como imprescindível a comprovação do binômio ilegalidade-lesividade, como pressuposto elementar para a procedência da ação popular e de consequente condenação dos requeridos a ressarcimento ao erário em face dos prejuízos comprovadamente atestados ou nas perdas e danos correspondentes (arts. 11 e 14 da Lei 4.717/1965). Eventual violação à boa-fé e aos valores éticos esperados nas práticas administrativas não configura, por si só, elemento suficiente para ensejar a presunção de lesão ao patrimônio público, uma vez que a responsabilidade dos agentes em face de conduta praticada em detrimento do patrimônio público exige a comprovação e a quantificação do dano, nos termos do art. 14 da Lei 4.717/1965. Entendimento contrário implicaria evidente enriquecimento sem causa do ente público, que usufruiu dos serviços prestados em razão do contrato firmado durante o período de sua vigência. Precedente citado: REsp 802.378-SP, Primeira Turma, DJ 4/6/2007. REsp 1.447.237-MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/12/2014, DJe 9/3/2015.
Conta-se do conhecimento do respectivo fato pelo conselho profissional o prazo de prescrição da sua pretensão de punir profissional liberal por infração ética sujeita a processo disciplinar. Preliminarmente, ressalte-se que não há que se confundir prescrição do direito de ação do prejudicado ou denunciante para acionar civilmente o profissional liberal com a prescrição do direito de o órgão fiscalizador de classe apreciar e julgar infrações éticas. O art. 1º da Lei 6.838/1980 dispõe que “a punibilidade de profissional liberal, por falta sujeita a processo disciplinar, através de órgão em que esteja inscrito, prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data de verificação do fato respectivo”. O mencionado artigo define a quem compete punir o profissional liberal por falta disciplinar, o prazo para extinção da punibilidade e a forma pela qual se dá a aferição do início da prescrição da pretensão punitiva. No que diz respeito ao termo inicial do prazo prescricional, evidencia-se que o comando inserto no art. 1º não estabelece ser a data do fato o parâmetro a ser considerado para a observância do início da prescrição, mas sim a data em que ocorreu a verificação do fato, supostamente, incompatível com a conduta ético-profissional. A exegese a ser dada sobre a quem considerar apto a verificar o fato deve levar em consideração a competência para o exercício do direito de investigar e punir a falta ético-profissional, ou seja, a norma tem por destinatário o conselho profissional no qual se encontra inscrito o profissional, razão por que o início do prazo prescricional se dá pela verificação do fato pelo órgão de classe. REsp 1.263.157-PE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 5/3/2015, DJe 11/3/2015.
O Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial (INMETRO) não é competente para fiscalizar as balanças de pesagem corporal disponibilizadas gratuitamente aos clientes nas farmácias. Essas balanças, existentes em farmácias, não condicionam nem tampouco se revelam essenciais para o desenvolvimento da atividade-fim desse ramo comercial (venda de medicamentos). Por não se tratar de equipamento essencial ao funcionamento e às atividades econômicas das farmácias, essas balanças não se expõem à fiscalização periódica do INMETRO, conforme inteligência das Leis 5.966/1973 e 9.933/1999 e da Resolução 11/1988 do CONMETRO. Nesse contexto, a jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que a Taxa de Serviços Metrológicos, decorrente do poder de polícia do INMETRO em fiscalizar a regularidade das balanças (art. 11 da Lei 9.933/1999), visa a preservar precipuamente as relações de consumo, sendo imprescindível, portanto, verificar se o equipamento objeto de aferição fiscalizatória é essencial, ou não, à atividade mercantil desempenhada pela empresa junto à clientela (REsp 1.283.133-RS, Segunda Turma, DJe 9/3/2012; e REsp 1.455.890-SC, Segunda Turma, DJe 15/8/2014). Precedente citado: AgRg no REsp 1.465.186-PR, Segunda Turma, DJe 27/11/2014. REsp 1.384.205-SC, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 5/3/2015, DJe 12/3/2015.
Na falta de hidrômetro ou defeito no seu funcionamento, a cobrança pelo fornecimento de água deve ser realizada pela tarifa mínima, sendo vedada a cobrança por estimativa. Isso porque a tarifa deve ser calculada com base no consumo efetivamente medido no hidrômetro, sendo a tarifa por estimativa de consumo ilegal por ensejar enriquecimento ilícito da concessionária. Ademais, tendo em vista que é da concessionária a obrigação pela instalação do hidrômetro, a cobrança no caso de inexistência do referido aparelho deve ser realizada pela tarifa mínima. REsp 1.513.218-RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 10/3/2015, DJe 13/3/2015.
Serão proporcionais – e não integrais – os proventos de aposentadoria de servidor público federal diagnosticado com doença grave, contagiosa ou incurável não prevista no art. 186, § 1º, da Lei 8.112⁄1990 nem indicada em lei. A jurisprudência do STJ firmara-se no sentido de que o rol de doenças constantes do § 1º do art. 186 da Lei 8.112⁄1990 para fins de aposentadoria integral não seria taxativo, mas exemplificativo, tendo em vista a impossibilidade de a norma prever todas as doenças consideradas pela medicina como graves, contagiosas ou incuráveis. No entanto, o STF, reconhecendo a repercussão geral da matéria, entendeu que “pertence, portanto, ao domínio normativo ordinário a definição das doenças e moléstias que ensejam aposentadoria por invalidez com proventos integrais, cujo rol, segundo a jurisprudência assentada pelo STF, tem natureza taxativa” (RE 656.860-MT, Tribunal Pleno, DJe 18/9/2014). Nesse contexto, em atendimento ao art. 543-B, § 3º, do CPC, a aposentadoria de servidor público federal diagnosticado com moléstia não mencionada no § 1º do art. 186 da Lei 8.112⁄1990, não pode se dar com o pagamento de proventos integrais, mas sim proporcionais. REsp 1.324.671-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 3/3/2015, DJe 9/3/2015.
Os sucessores do segurado falecido não têm legitimidade para pleitear a revisão do valor da pensão a que fazem jus se a alteração pretendida depender de um pedido de desaposentação não efetivado quando em vida pelo instituidor da pensão. De fato, é pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que, por se tratar de direito patrimonial disponível, o segurado pode renunciar à sua aposentadoria, com o propósito de obter benefício mais vantajoso, no Regime Geral de Previdência Social ou em regime próprio de Previdência, mediante a utilização de seu tempo de contribuição, sendo certo, ainda, que essa renúncia não implica a devolução de valores percebidos (REsp 1.334.488-SC, Primeira Seção, DJe 14/5/2013, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC). Contudo, faz-se necessário destacar que o aludido direito é personalíssimo do segurado aposentado, pois não se trata de mera revisão do benefício de aposentadoria, mas sim, de renúncia, para que novo e posterior benefício, mais vantajoso, seja-lhe concedido. Dessa forma, os sucessores não têm legitimidade para pleitear direito personalíssimo não exercido pelo instituidor da pensão (renúncia e concessão de outro benefício), o que difere da possibilidade de os herdeiros pleitearem diferenças pecuniárias de benefício já concedido em vida ao instituidor da pensão (art. 112 da Lei 8.213/1991). Precedentes citados: REsp 1.222.232-PR, Sexta Turma, DJe 20/11/2013; AgRg no REsp 1.270.481-RS, Quinta Turma, DJe 26/8/2013; AgRg no REsp 1.241.724-PR, Quinta Turma, DJe 22/8/2013; e AgRg no REsp 1.107.690-SC, Sexta Turma, DJe 13/6/2013. AgRg no AREsp 436.056-RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 3/3/2015, DJe 10/3/2015.
O fato de namorados projetarem constituir família no futuro não caracteriza união estável, ainda que haja coabitação. Isso porque essas circunstâncias não bastam à verificação da affectio maritalis. O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado “namoro qualificado” –, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, estar constituída. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício). A coabitação entre namorados, a propósito, afigura-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social. Por oportuno, convém ressaltar que existe precedente do STJ no qual, a despeito da coabitação entre os namorados, por contingências da vida, inclusive com o consequente fortalecimento da relação, reconheceu-se inexistente a união estável, justamente em virtude da não configuração do animus maritalis (REsp 1.257.819-SP, Terceira Turma, DJe 15/12/2011). REsp 1.454.643-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 3/3/2015, DJe 10/3/2015.
Prescreve em um ano a pretensão de cobrar despesas de sobre-estadia de contêiner (demurrage), quer se trate de transporte multimodal, quer se trate de transporte unimodal. Embora existam dispositivos legais em vigor que tratam de prescrição no âmbito do transporte marítimo, nenhum deles versa especificamente acerca da sobre-estadia de contêiner. Assim, a solução da controvérsia deve ser buscada no regramento do art. 22 da Lei 9.611/1998, que estabelece prazo prescricional de um ano para as ações judiciais oriundas do não cumprimento das responsabilidades decorrentes do transporte multimodal. Observe-se que esse dispositivo legal não se limita às ações entre o contratante e o operador do transporte multimodal. A sua redação foi abrangente, incluindo todas as ações judiciais oriundas do transporte multimodal. A propósito, esclareça-se que no transporte multimodal, uma pessoa jurídica, denominada operador de transporte multimodal (OTM), assume a responsabilidade de transportar a carga da origem até o destino, utilizando-se de duas ou mais modalidades de transporte, podendo subcontratar terceiros. Nesse passo, a Lei 9.611/1998, além de tratar da responsabilidade do OTM, dispõe também acerca da responsabilidade dos subcontratados, conforme se verifica, dentre outros dispositivos, dos arts. 12 e 16. Desse modo, a redação abrangente do art. 22 da referida lei, regulando a prescrição ânua, teve como objetivo abarcar não somente a relação jurídica do contratante com o operador, mas também as que envolvem estes e os subcontratados. Nessa medida, a pretensão de cobrança da demurrage, deduzida pelo armador (subcontratado) contra o operador de transporte multimodal, também deve estar sujeita ao mesmo prazo prescricional de um ano previsto no art. 22 da referida lei, tendo em vista a inexistência de prazo diverso em legislação específica. Assim, se a demurrage, no transporte multimodal, está sujeita ao prazo prescricional de um ano, e considerando a necessidade de coerência entre as normas de um mesmo sistema jurídico, é recomendável que a prescrição no transporte unimodal também deva ocorrer no mesmo prazo. Isso porque, do ponto de vista do armador, titular da pretensão, a demurrage é sempre o mesmo fato, seja o transporte marítimo o único meio de transporte (unimodal), seja ele apenas uma parte do transporte multimodal. Dessa maneira, é possível, inclusive, que em um mesmo contêiner existam mercadorias sujeitas a um contrato de transporte multimodal e outras a um unimodal. Além disso, nada obsta que um operador de transporte multimodal celebre também contratos de transporte unimodal. Nessas circunstâncias, caso haja atraso na devolução do contêiner, haveria um conflito entre a prescrição anual, prevista no art. 22 da Lei 9.611/1998, e a prescrição quinquenal, prevista no art. 206, § 5º, I, do Código Civil. A melhor solução, portanto, é entender que a prescrição do art. 22 da Lei 9.611/1998 aplica-se também ao contrato unimodal, pois o transporte multimodal, no plano dos fatos, nada mais é do que a integração de dois ou mais transportes unimodais. Em verdade, as normas referentes à prescrição devem ser interpretadas restritivamente, entretanto, há de se lembrar, também, que a interpretação não pode conduzir a resultados contraditórios, como ocorreria na hipótese de se estabelecer prazos prescricionais diversos para a demurrage em transporte multimodal e unimodal. Além do mais, concluir-se pela prescrição anual também tem a vantagem de tratar de maneira uniforme a pretensão deduzida pelo armador quanto à demurrage e a pretensão deduzida contra o armador, quanto aos danos à carga transportada (art. 8º do Decreto-Lei 116/1967). REsp 1.355.095-SP, Rel. Ministro Paulo De Tarso Sanseverino, julgado em 9/12/2014, DJe 12/3/2015.
A constituição de nova família pelo devedor de alimentos não acarreta, por si só, revisão da quantia estabelecida a título de alimentos em favor dos filhos advindos de anterior unidade familiar formada pelo alimentante, sobretudo se não houver prova da diminuição da capacidade financeira do devedor em decorrência da formação do novo núcleo familiar. Precedentes citados: REsp 703.318-PR, Quarta Turma, DJ 1°/8/2005; e REsp 1.027.930-RJ, Terceira Turma, DJe 16/3/2009. REsp 1.496.948-SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, julgado em 3/3/2015, DJe 12/3/2015.
Em regra, a pensão alimentícia devida a ex-cônjuge deve ser fixada por tempo determinado, sendo cabível o pensionamento alimentar sem marco final tão somente quando o alimentado (ex-cônjuge) se encontrar em circunstâncias excepcionais, como de incapacidade laboral permanente, saúde fragilizada ou impossibilidade prática de inserção no mercado de trabalho. Precedentes citados: REsp 1.290.313-AL, Quarta Turma, DJe 7/11/2014; REsp 1.396.957-PR, Terceira Turma, DJe 20/6/2014; e REsp 1.205.408-RJ, Terceira Turma, DJe 29/6/2011. REsp 1.496.948-SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, julgado em 3/3/2015, DJe 12/3/2015.
Prescreve em dez anos a pretensão do advogado autônomo de cobrar de outro advogado o valor correspondente à divisão de honorários advocatícios contratuais e de sucumbência referentes a ação judicial na qual ambos trabalharam em parceria. De fato, o art. 25, V, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da OAB) afirma que prescreve em cinco anos a ação de cobrança de honorários de advogado, contado o prazo da renúncia ou revogação do mandato. No mesmo sentido, o art. 206, § 5º, II, do CC estabelece que prescreve em cinco anos “a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato”. Todavia, pela simples leitura dos dispositivos invocados, em conjunto com demais artigos circundantes, verifica-se que se referem à relação advogado-cliente no âmbito do contrato de mandato judicial, já que, por várias vezes, mencionam-se os termos “advogado”, “cliente”, “constituinte”, “acordo feito pelo cliente do advogado”, “renúncia” e “revogação do mandato” (REsp 448.116-SP, Terceira Turma, DJ 14/4/2003). Assim, afastada a aplicação dos arts. 25, V, do Estatuto da OAB e 206, § 5º, II, do CC, incide, na hipótese em análise, o prazo decenal disposto no art. 205 do CC, ante a ausência de disposição legal específica. Precedente citado: EDcl no REsp 448.116-SP, Terceira Turma, DJ 18/8/2003. REsp 1.504.969-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 10/3/2015, DJe 16/3/2015.
No caso em que o subsolo de imóvel tenha sido invadido por tirantes (pinos de concreto) provenientes de obra de sustentação do imóvel vizinho, o proprietário do imóvel invadido não terá legítimo interesse para requerer, com base no art. 1.229 do CC, a remoção dos tirantes nem indenização por perdas e danos, desde que fique constatado que a invasão não acarretou prejuízos comprovados a ele, tampouco impossibilitou o perfeito uso, gozo e fruição do seu imóvel. Dispõe o art. 1.229 do CC que a “propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las”. Ou seja, o normativo legal, ao regular o direito de propriedade, ampara-se especificamente no critério de utilidade da coisa por seu titular. Por essa razão, o direito à extensão das faculdades do proprietário é exercido contra terceiro tão somente em face de ocorrência de conduta invasora e lesiva que lhe traga dano ou incômodo ou que lhe proíba de utilizar normalmente o bem imóvel, considerando suas características físicas normais. Como se verifica, a pretensão de retirada dos tirantes não está amparada em possíveis prejuízos devidamente comprovados ou mesmo no fato de os tirantes terem impossibilitado, ou estarem impossibilitando, o perfeito uso, gozo ou fruição do imóvel. Também inexistem possíveis obstáculos a futuras obras que venham a ser idealizadas no local, até porque, caso e quando se queira, referidos tirantes podem ser removidos sem nenhum prejuízo para quaisquer dos imóveis vizinhos. De fato, ao proprietário compete a titularidade do imóvel, abrangendo solo, subsolo e o espaço aéreo correspondentes. Entretanto, referida titularidade não é plena, estando satisfeita e completa apenas em relação ao espaço físico sobre o qual emprega efetivo exercício sobre a coisa. Dessa forma, não tem o proprietário do imóvel o legítimo interesse em impedir a utilização do subsolo onde estão localizados os tirantes que se pretende remover, pois sobre o referido espaço não exerce ou demonstra quaisquer utilidades. Precedente citado: REsp 1.233.852-RS, Terceira Turma, DJe de 1º/2/2012. REsp 1.256.825-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 5/3/2015, DJe 16/3/2015.
A previsão normativa estatutária de reajuste da aposentadoria complementar segundo os mesmos índices de reajustamento incidentes nos benefícios mantidos pelo INSS não garante o aumento real do valor do benefício, mas apenas a reposição das perdas causadas pela inflação. De início, cumpre esclarecer que o índice de correção total periodicamente aplicado pela Previdência Social nos seus benefícios nem sempre corresponde apenas à inflação apurada no período, podendo haver outros componentes, como o ganho real. A previsão estatutária da entidade de previdência privada é de reajustamento do benefício de prestação continuada justamente para manter o poder aquisitivo que possuía antes de ser desgastado pela inflação, e não para conceder ganhos reais aos assistidos. De fato, a elevação do aporte financeiro demanda uma elevação proporcional na oneração de seus contribuintes, tendo em vista a dinâmica do regime de capitalização, ínsito à previdência privada. Assim, eventual determinação de pagamento de valores sem respaldo em plano de custeio implica desequilíbrio econômico atuarial da entidade de previdência privada, a prejudicar a universalidade dos participantes e assistidos, o que fere o princípio da primazia do interesse coletivo do plano. Vale assinalar, por pertinente, que se deve garantir a irredutibilidade do benefício suplementar contratado, e não a concessão de ganhos reais ao participante, sobretudo se isso comprometer o equilíbrio atuarial do fundo de previdência privada. Logo, não se revela possível a extensão dos aumentos reais concedidos pela previdência oficial ao benefício suplementar quando não houver fonte de custeio correspondente. Ademais, o objetivo do fundo de previdência complementar não é propiciar ganho real ao trabalhador aposentado, mas manter o padrão de vida para o assistido semelhante ao que desfrutava em atividade, devendo, para tanto, gerir os numerários e as reservas consoante o plano de benefícios e os cálculos atuariais. Precedente citado: REsp 1.414.672-MG, Quarta Turma, DJe 3/2/2014. REsp 1.510.689-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 10/3/2015, DJe 16/3/2015.
O comerciante não tem o dever de receber e de encaminhar produto viciado à assistência técnica, a não ser que esta não esteja localizada no mesmo município do estabelecimento comercial. De acordo com o caput do art. 18 do CDC, todos os que integram a cadeia de fornecimento respondem solidariamente pelos produtos defeituosos. Dessa forma, se o comerciante opta por ofertar a seus clientes produtos fabricados por terceiros, não pode eximir-se da responsabilização pelos produtos defeituosos inseridos no mercado por ele próprio. Nesse contexto, não se olvida a infindável busca do legislador em proteger o consumidor da inserção irresponsável de produtos viciados no mercado. Todavia, o mesmo legislador obtempera a proteção da boa-fé do consumidor com a impossibilidade fática de se garantir de forma absoluta e apriorística a qualidade dos produtos comercializados. Reconhecendo, portanto, que falhas acontecem, insere-se o direito subjetivo dos fornecedores de corrigir os vícios, como uma demonstração inclusive de sua própria boa-fé objetiva. Envolvida nessa atmosfera ética, exige-se de ambos os contratantes a atuação leal e cooperada, atuação estendida, no âmbito do CDC, a todos os integrantes da cadeia de fornecimento. Nessa ordem de ideias, a disponibilização pelo produtor de um serviço especializado, a fim de dar o necessário suporte aos consumidores na hipótese de os produtos comercializados apresentarem vícios, em princípio, não representa qualquer prejuízo ou desvantagem ao consumidor. Ao contrário, representa o cumprimento de um dever de lealdade e cooperação que subsiste para além da conclusão do contrato, concretizando o ideal ético do CDC, devendo, por essa mesma razão, ser observada pelos consumidores. Claro que essa observância apenas poderá ser exigida na medida em que o serviço seja disponibilizado de forma efetiva, eficaz e eficiente. Do contrário, acabaria por representar uma dificuldade excessiva, caracterizando o exercício abusivo de um direito do produtor. Ora, disponibilizado serviço de assistência técnica de forma eficaz, efetiva e eficiente na mesma localidade do estabelecimento do comerciante, a intermediação do serviço apenas acarretaria delongas e acréscimo de custos. Desse modo, existindo assistência técnica especializada e disponível na localidade de estabelecimento do comerciante (leia-se, no mesmo município), não é razoável a imposição ao comerciante da obrigação de intermediar o relacionamento entre seu cliente e o serviço disponibilizado, visto que essa exigência apenas dilataria o prazo para efetiva solução e acrescentaria custos ao consumidor, sem agregar-lhe qualquer benefício. REsp 1.411.136-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 24/2/2015, DJe 10/3/2015.
O aparecimento de grave vício em revestimento (pisos e azulejos), quando já se encontrava devidamente instalado na residência do consumidor, configura fato do produto, sendo, portanto, de cinco anos o prazo prescricional da pretensão reparatória (art. 27 do CDC). Nas relações de consumo, consoante entendimento do STJ, os prazos de 30 dias e 90 dias estabelecidos no art. 26 referem-se a vícios do produto e são decadenciais, enquanto o quinquenal, previsto no art. 27, é prescricional e se relaciona à reparação de danos por fato do produto ou serviço (REsp 411.535-SP, Quarta Turma, DJ de 30/9/2002). O vício do produto, nos termos do art. 18 do CDC, é aquele correspondente ao não atendimento, em essência, das expectativas do consumidor no tocante à qualidade e à quantidade, que o torne impróprio ou inadequado ao consumo ou lhe diminua o valor. Assim, o vício do produto restringe-se ao próprio produto e não aos danos que ele pode gerar para o consumidor, sujeitando-se ao prazo decadencial do art. 26 do CDC. O fato do produto, por sua vez, sobressai quando esse vício for grave a ponto de ocasionar dano indenizável ao patrimônio material ou moral do consumidor, por se tratar, na expressão utilizada pela lei, de defeito. É o que se extrai do art. 12 do CDC, que cuida da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço. Ressalte-se que, não obstante o § 1º do art. 12 do CDC preconizar que produto defeituoso é aquele desprovido de segurança, doutrina e jurisprudência convergem quanto à compreensão de que o defeito é um vício grave e causador de danos ao patrimônio jurídico ou moral. Desse modo, a eclosão tardia do vício do revestimento, quando já se encontrava devidamente instalado na residência do consumidor, determina a existência de danos materiais indenizáveis e relacionados com a necessidade de, no mínimo, contratar serviços destinados à substituição do produto defeituoso, caracterizando o fato do produto, sujeito ao prazo prescricional de 5 anos. REsp 1.176.323-SP, Rel. Min. Villas Bôas Cueva, julgado em 3/3/2015, DJe 16/3/2015.
No processo de recuperação judicial, é inaplicável aos credores da sociedade recuperanda o prazo em dobro para recorrer previsto no art. 191 do CPC. Inicialmente, consigne-se que pode ser aplicada ao processo de recuperação judicial, mas apenas em relação ao litisconsórcio ativo, a norma prevista no art. 191 do CPC que dispõe que “quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos”. Todavia, não se pode olvidar que a recuperação judicial configura processo sui generis, em que o empresário atua como requerente, não havendo polo passivo. Assim, não se mostra possível o reconhecimento de litisconsórcio passivo em favor dos credores da sociedade recuperanda, uma vez que não há réus na recuperação judicial, mas credores interessados, que, embora participando do processo e atuando diretamente na aprovação do plano, não figuram como parte adversa – já que não há nem mesmo litígio propriamente dito. Com efeito, a sociedade recuperanda e os credores buscam, todos, um objetivo comum: a preservação da atividade econômica da empresa em dificuldades financeiras a fim de que os interesses de todos sejam satisfeitos. Dessa forma, é inaplicável o prazo em dobro para recorrer aos credores da sociedade recuperanda. Ressalte-se, por oportuno, que, conforme jurisprudência do STJ, o prazo em dobro para recorrer, previsto no art. 191 do CPC, não se aplica a terceiros interessados. REsp 1.324.399-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 3/3/2015, DJe 10/3/2015.
Na hipótese em que o Ministério Público Estadual tenha proposto ação de investigação de paternidade como substituto processual de criança, a citação editalícia do réu não poderá ser realizada apenas em órgão oficial. Isso porque não se aplica o art. 232, § 2º, do CPC, o qual prevê que a publicação do edital de citação, no caso de a parte ser beneficiária da justiça gratuita, deve se restringir ao órgão oficial. Assim, por versar disposição restritiva e, portanto, aplicável exclusivamente apenas à previsão específica, é vedada a sua aplicação analógica do referido dispositivo ao Ministério Público, cuja atuação não se confunde com as funções próprias da Defensoria Pública, e com essa instituição não pode ser equiparado. Ademais, restringir a publicação de editais de citação ao órgão oficial resultaria, evidentemente, na limitação das chances da citação por edital lograr êxito. REsp 1.377.675-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 10/3/2015, DJe 16/3/2015.
O Ministério Público Estadual, ao propor ação de investigação de paternidade como substituto processual de criança, não é obrigado a adiantar as despesas decorrentes da citação editalícia do réu em jornal local, devendo o adiantamento dos gastos da referida diligência ser realizado pela Fazenda Pública Estadual. No sistema do CPC, incumbe à parte interessada, como regra, antecipar as despesas relativas aos atos que praticar ou requerer no processo, desde o início até a sentença final (art. 19 do CPC). Após a definição do litígio, a sentença impõe ao vencido o pagamento à parte vencedora das despesas antecipadas (art. 20 do CPC). Por sua vez, conforme exegese do art. 27 do CPC, o MP, quando requerer diligências que acarretem custos não adiantará a despesa, mas suportará o ônus ao final do processo, caso seja vencido. E, mesmo nessa hipótese, em virtude da falta de personalidade jurídica do órgão ministerial, tal encargo deve recair sobre a Fazenda Pública. Portanto, a norma não isenta o MP do pagamento das despesas, apenas não o obriga a antecipar seu pagamento. De outro lado, o art. 18 da Lei 7.347/1985 (LACP) é expresso ao estatuir, como regra, a dispensa de adiantamento de despesas processuais em favor do titular da ação civil pública, como antecipação de honorários periciais, emolumentos, custas processuais e outros tipos de despesas, salvo comprovada má-fé. Além disso, o STJ já assentou, em sede de recurso especial, julgado sob o rito repetitivo, que “descabe o adiantamento dos honorários periciais pelo autor da ação civil pública, conforme disciplina o art. 18 da Lei 7.347/1985, sendo que o encargo financeiro para a realização da prova pericial deve recair sobre a Fazenda Pública a que o Ministério Público estiver vinculado, por meio da aplicação analógica da Súmula 232/STJ” (REsp 1.253.844-SC, Primeira Seção, DJe 17/10/2013). Desse modo, o MP não se sujeita ao ônus de adiantar as despesas processuais quando atua em prol da sociedade, inclusive como substituto processual, pois milita, em última análise, com base no interesse público primário, não devendo ter a sua atuação cerceada. Na hipótese em foco, o custo econômico da citação editalícia na imprensa local deve ser suportado pela Fazenda Pública estadual, por aplicação analógica da Súmula 232/STJ: “A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito”. REsp 1.377.675-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 10/3/2015, DJe 16/3/2015.
É possível acolher alegação de coisa julgada formulada em sede de exceção de pré-executividade caso se verifique, na fase de execução, que o comando da sentença exequenda transitada em julgado conflita com o comando de outra sentença, anteriormente transitada em julgado, proferida em idêntica demanda. Efetivamente, existe grande polêmica na doutrina a respeito do conflito entre sentenças transitadas em julgado, especificamente no que se refere à definição de qual decisão deve prevalecer, a primeira ou a segunda. Diante da ausência de disposição específica no CPC, cabe ao intérprete colmatar essa lacuna legislativa, sempre tomando como norte a CF. Nessa tarefa integrativa, a primeira questão que se coloca é saber se a ausência de uma condição da ação causaria a invalidade ou a inexistência da sentença proferida. Consoante parte da doutrina, não há atividade jurisdicional autêntica nesse caso, mas apenas aparência de jurisdição – ou a forma externa de jurisdição –, de modo que a carência de ação conduziria à própria inexistência da sentença. Firmada essa premissa, tem-se por inexistente a segunda sentença proferida em demanda idêntica a outra já transitada em julgado, tendo em vista que o autor na segunda demanda careceria de interesse jurídico em provocar a jurisdição. A propósito, reforça essa conclusão o fato de a coisa julgada ser um pressuposto processual negativo (ou extrínseco). Ressalte-se, ademais, que persiste o entendimento de que deve prevalecer a primeira sentença também quando se tem em foco o plano da validade, ou seja, ainda que se admita o ingresso da segunda sentença no mundo jurídico como ato judicial existente. Isso porque a segunda sentença traz em si as máculas da inconstitucionalidade e da ausência de boa-fé. Superada a polêmica acerca de qual das sentenças deve prevalecer, há controvérsia também em torno do instrumento processual adequado para se alegar o vício coisa julgada. Em que pese a existência de dissenso a respeito do tema, firmada a premissa de que a segunda sentença é inexistente, cabe concluir que não há necessidade de ação rescisória, podendo-se obter a declaração de inexistência perante o próprio juízo de origem, por meio de ação ou objeção, esteja ou não transcorrido o prazo decadencial do art. 495 do CPC. REsp 1.354.225-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/2/2015, DJe 5/3/2015.
No caso em que, em ação declaratória de nulidade de notas promissórias, a sentença, ao reconhecer subsistente a obrigação cambial entre as partes, atestando a existência de obrigação líquida, certa e exigível, defina a improcedência da ação, o réu poderá pleitear o cumprimento dessa sentença, independentemente de ter sido formalizado pedido de satisfação do crédito na contestação. Nos termos do art. 475-N, I, do CPC, considera-se título executivo judicial “a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”. Assim, as sentenças que, mesmo não qualificadas como condenatórias, ao declararem um direito, atestem de forma exauriente a existência de obrigação certa, líquida e exigível, serão dotadas de força executiva. Esclareça-se que o referido dispositivo processual aplica-se também às sentenças declaratórias que, julgando improcedente o pedido do autor da demanda, reconhecem a existência de obrigação desse em relação ao réu da ação declaratória, independentemente de constar pedido de satisfação de crédito na contestação. Nessa vertente, há legitimação do réu para o cumprimento de sentença. Na hipótese em foco, a sentença de improcedência proferida nos autos da ação de anulação de notas promissórias, declarou subsistente a obrigação cambial entre as partes. Desse modo, reconhecida a certeza, a exigibilidade e a liquidez da obrigação cambial, deve-se dar prosseguimento ao pedido de cumprimento de sentença formulado pelo réu da ação declaratória, ante a aplicação do disposto no art. 475-N, I, do CPC. Precedentes citados: REsp 1.300.213-RS, Primeira Turma, DJe 18/4/2012; e AgRg no AREsp 385.551-RJ, Primeira Turma, DJe 11/2/2014. REsp 1.481.117-PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 3/3/2015, DJe 10/3/2015.
Na hipótese em que a própria validade do contrato esteja sendo objeto de apreciação judicial pelo fato de que não houve instrumento de formalização assinado pelas partes, a cláusula de eleição de foro não deve prevalecer, ainda que prevista em contratos semelhantes anteriormente celebrados entre as partes. O STJ tem entendido que, em hipóteses em que se discute a própria validade do contrato, o foro de eleição não prevalece (REsp 773.753-PR, Terceira Turma, DJ 24/10/2005; e CC 15.134-RJ, Segunda Seção, DJ 11/12/1995). Esse entendimento aplica-se ao caso em análise, uma vez que a validade do contrato está sendo objeto de apreciação nos autos principais exatamente pelo fato de não haver instrumento de formalização assinado pelas partes, o que demandará produção de prova a respeito e a futura definição quanto à sua validade ao ensejo da prolação da sentença. REsp 1.491.040-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 3/3/2015, DJe 10/3/2015.
O empregado que, mesmo após a sua aposentadoria, continuou a trabalhar e a contribuir, em decorrência de vínculo empregatício, para o plano de saúde oferecido pelo empregador, totalizando, durante todo o período de trabalho, mais de dez anos de contribuições, e que, após esse período de contribuições, tenha sido demitido sem justa causa por iniciativa do empregador, tem assegurado o direito de manutenção no plano da empresa, na condição de beneficiário aposentado, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho. O art. 31 da Lei 9.656/1998 garante ao funcionário aposentado que venha a se desligar da empresa o direito de manutenção (do plano de saúde) “nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho”, sendo que, para o exercício desse direito, se exigem três requisitos: (i) que o funcionário seja aposentado; (ii) que tenha contribuído pelo prazo mínimo de dez anos para o plano ou seguro coletivo de assistência à saúde, em decorrência de vínculo empregatício; e (iii) que assuma a integralidade da contribuição. Como se percebe, a norma não exige que a extinção do contrato de trabalho em razão da aposentadoria se dê no exato momento em que ocorra o pedido de manutenção das condições de cobertura assistencial. Ao revés, exige tão somente que, no momento de requerer o benefício, tenha preenchido as exigências legais, dentre as quais ter a condição de jubilado, independentemente de ser esse o motivo de desligamento da empresa. Trata-se de verdadeiro direito adquirido do contribuinte que venha a preencher os requisitos da lei, incorporando ao seu patrimônio para ser utilizado quando lhe aprouver. Em verdade, referida norma foi a forma encontrada pelo legislador para proteger o usuário/consumidor, evitando que, justamente no momento em que ele se desvincula de seu vínculo laboral e, provavelmente, tenha menos recursos à sua disposição, veja em risco a continuidade e qualidade de atendimento à saúde após contribuir anos a fio para a seguradora que o respaldava. Aliás, é um direito reconhecido pela própria Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, autarquia responsável pelo setor, que, ao regulamentar os artigos 30 e 31 da Lei 9.656/1998 por meio da Resolução Normativa 279/2011, estabeleceu no Capítulo II, na Seção VIII, intitulada de “Do Aposentado que Continua Trabalhando na Mesma Empresa”, que: “Art. 22. Ao empregado aposentado que continua trabalhando na mesma empresa e vem a se desligar da empresa é garantido o direito de manter sua condição de beneficiário observado o disposto no artigo 31 da Lei nº 9.656, de 1998, e nesta Resolução. § 1º O direito de que trata o caput será exercido pelo ex-empregado aposentado no momento em que se desligar do empregador”. Portanto, não se faz necessário que o beneficiário rompa sua relação de emprego por causa da aposentadoria, mas sim que tenha as condições legais preenchidas para ver reconhecido o seu direito subjetivo. REsp 1.305.861-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/2/2015, DJe 17/3/2015.
Nos termos dos arts. 67, caput, e 84, V, da Lei 11.101/2005, em caso de decretação de falência, serão considerados extraconcursais os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor entre a data em que se defere o processamento da recuperação judicial e a data da decretação da falência, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo. Isso porque a expressão “durante a recuperação judicial” gravada nos arts. 67, caput, e 84, V, da Lei 11.101/2005 abrange o período compreendido entre a data em que se defere o processamento da recuperação judicial e a decretação da falência. De fato, pode-se questionar se o termo inicial do benefício de que tratam os referidos artigos dá-se: (a) com o ajuizamento do pedido de recuperação (art. 51 da LF); (b) a partir da decisão que defere o seu processamento (art. 52 da LF); ou (c) da decisão que a concede (art. 58 da LF). É bem verdade que a redação do caput do art. 67 e do inciso V do art. 84 da LF não se reveste de clareza e precisão. Nesse contexto, é dever constitucional do STJ atribuir à lei federal sua mais adequada interpretação, para tanto se valendo dos recursos que orientam o processo hermenêutico, destacando-se, no caso presente, os métodos lógico e sistemático, não se olvidando que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, conforme determina o art. 5º da LINDB, que indica a fórmula teleológica. No campo da teleologia, há de se ter por indubitável que o intento da Lei de Falências é conferir primazia à recuperação da empresa, como orienta seu art. 47, segundo o qual “a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”. Nessa conjuntura, é certo que a adoção do entendimento de que o termo inicial do benefício legal em análise seria (c) a decisão que concede a recuperação judicial (art. 58) reduziria as vulnerabilidades de outros credores nas hipóteses de ocorrência de fraudes, sendo autêntica a preocupação com o risco de, por força de uma interpretação mais abrangente da expressão utilizada no texto legal, esse instituto possa servir, eventualmente, à prática de ardis ou procedimentos inspirados por motivações menos nobres. Apesar disso, o direito positivo e, sobretudo, a própria Lei de Recuperação e Falências cuidam de proteger os credores das ilegalidades que venham a ser praticadas pela empresa recuperanda se no intento de lhes causar prejuízo. Não há dúvida de que, comprovado o escopo fraudulento, deverá o magistrado declarar a ineficácia do privilégio legal, sem prejuízo das demais sanções previstas na lei. Tanto é assim que, para os fins do art. 84, V, só serão qualificadas como extraconcursais as “obrigações resultantes de atos jurídicos válidos”. Além disso, na decisão que defere o processamento do pedido de recuperação, o magistrado, de pronto, designa um administrador judicial, a quem compete, dentre outros deveres, “exigir dos credores, do devedor ou seus administradores quaisquer informações” (art. 22, I, “d”). Por conseguinte, desde a (b) decisão que defere o processamento da recuperação judicial (art. 52), cuidou o legislador de pôr a empresa recuperanda sob fiscalização, evidenciando a preocupação com sua manutenção e visando a evitar a utilização do instituto para a prática de ilegalidades. A disposição é sintomática e denota que esse momento processual guarda relevância, não se traduzindo simples despacho protocolar, mas efetiva avaliação, ainda que superficial, acerca das atuais condições da empresa e dos requisitos para o deferimento da recuperação. Afinal, o administrador judicial não é um adorno ou mero coadjuvante no processo, cabendo-lhe até mesmo requerer a falência do devedor no caso de descumprimento das obrigações assumidas no plano de recuperação (art. 22, II, “b”). O citado art. 52 apresenta, ainda, outras disposições que bem demonstram a profundidade da (b) decisão que defere seu processamento e a preocupação do legislador com o risco de fraude, merecendo destaque os incisos IV e V, que determinam, respectivamente, a obrigação de o devedor apresentar contas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores, bem como a intimação do Ministério Público, da Fazenda Pública Federal e de todos os estados e municípios em que tiver estabelecimento, para que possam resguardar seus interesses e exercer fiscalização sobre os atos do recuperando. Além do mais, o parágrafo único do art. 67 determina que os “créditos quirografários sujeitos à recuperação judicial pertencentes a fornecedores de bens ou serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial terão privilégio geral de recebimento em caso de decretação de falência, no limite do valor dos bens ou serviços fornecidos durante o período da recuperação”. De fato, a leitura desse dispositivo – em especial, do trecho “após o pedido de recuperação judicial” – induz-nos a concluir que benefício não valerá tão logo (a) seja ajuizado o pedido de recuperação (art. 51), senão em momento posterior, que tanto poderá ser tanto (b) a partir da decisão que defere o processamento da recuperação (art. 52) quanto (c) da decisão que a concede (art. 58). Todavia, o mencionado parágrafo único do art. 67 da LF contém uma sutil indicação de que a classificação dos créditos dos fornecedores como extraconcursais não poderia ser remetida somente para quando (c) concedida a recuperação. Com efeito, reza o referido dispositivo que o credor-fornecedor, titular de créditos quirografários vinculados à recuperação judicial (segundo o art. 49, sujeitam-se à recuperação os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos), que continuar a prover o devedor de bens e serviços após o pedido de recuperação judicial, terá seus créditos (os anteriores ao pedido, reitere-se) alçados à categoria dos que têm privilégio geral (art. 83, V), até o limite dos bens ou serviços fornecidos durante o período da recuperação. Ou seja, em prevalecendo a interpretação de que a regra do parágrafo do art. 67 só tem incidência para créditos constituídos após a (c) decisão que concede a recuperação (art. 58), o resultado prático seria de que os valores decorrentes de operações praticadas no lapso temporal que vai do pedido até a decisão concessória não gozariam do mesmo privilégio que aqueles relativos a operações anteriores, o que se mostra discrepante do objetivo da lei. Ora, os momentos que sucedem o requerimento de recuperação são os mais delicados para a empresa. Registre-se que, quando deferido o processamento, há a obrigação de se publicar edital noticiando o pedido (art. 52, § 1º), o que torna oficialmente públicas as dificuldades pelas quais passa a devedora, induzindo os credores à natural postura da autodefesa. Decerto que optarão pela solução de continuidade do fornecimento de bens e serviços, ante a relevante incerteza quanto à viabilidade da pessoa jurídica requerente. Nessas condições, devem ser recompensados os que acreditaram e contribuíram para a reabilitação, mesmo com o resultado infrutífero do esforço, em razão da decretação da falência. Ademais, quando (c) deferida a recuperação, os credores têm mais transparentes as condições da empresa, conhecendo de modo exato qual é o plano que visa a reerguê-la. Pode-se fiscalizá-lo com mais rigor. Antes disso, porém – e, em especial, desde o (b) deferimento até a (c) concessão –, verifica-se o momento de maior risco. Se não houver estímulo aos fornecedores, nada mais será provido à empresa, exacerbando o risco da falência. Sendo assim, forçoso concluir que os efeitos da recuperação judicial não se efetivam somente após o momento em que (c) formalmente concedida pelo juiz (art. 58). A par das consequências que são expressamente atribuídas à (b) decisão que defere o processamento (art. 52), outros dispositivos da lei indicam que a expressão “durante a recuperação judicial” não se limita aos momentos que sucedem a decisão concessiva. Nesse sentido, o art. 49 dispõe que “estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido , ainda que não vencidos”, inspirando-nos à conclusão de que os créditos posteriores a esse momento devem, efetivamente, receber tratamento diferenciado. Do mesmo modo, o art. 64 prevê que o devedor é mantido sob fiscalização do comitê de credores e do administrador judicial “durante o procedimento de recuperação judicial”, fiscalização, aliás, que pode e deve ser exercida tão logo deferido o processamento da recuperação (art. 52, I e § 2º). Precedente citado: REsp 1.398.092-SC, Terceira Turma, DJe 19/5/2014. REsp 1.399.853-SC, Rel. originária Min. Maria Isabel Gallotti, Rel. para acórdão Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 10/2/2015, DJe 13/3/2015.
É possível que se impute de forma concomitante a prática dos crimes de calúnia, de difamação e de injúria ao agente que divulga em uma única carta dizeres aptos a configurar os referidos delitos, sobretudo no caso em que os trechos utilizados para caracterizar o crime de calúnia forem diversos dos empregados para demonstrar a prática do crime de difamação. Ainda que diversas ofensas tenham sido assacadas por meio de uma única carta, a simples imputação ao acusado dos crimes de calúnia, injúria e difamação não caracteriza ofensa ao princípio que proíbe o bis in idem, já que os crimes previstos nos arts. 138, 139 e 140 do CP tutelam bens jurídicos distintos, não se podendo asseverar de antemão que o primeiro absorveria os demais. Ademais, constatado que diferentes afirmações constantes da missiva atribuída ao réu foram utilizadas para caracterizar os crimes de calúnia e de difamação, não se pode afirmar que teria havido dupla persecução pelos mesmos fatos. De mais a mais, ainda que os dizeres também sejam considerados para fins de evidenciar o cometimento de injúria, o certo é que essa infração penal, por tutelar bem jurídico diverso daquele protegido na calúnia e na difamação, a princípio, não pode ser por elas absorvido. RHC 41.527-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 3/3/2015, DJe 11/3/2015.
A eventual aceitação de proposta de suspensão condicional do processo não prejudica a análise de habeas corpus no qual se pleiteia o trancamento de ação penal. Isso porque durante todo o período de prova o acusado fica submetido ao cumprimento das condições impostas, cuja inobservância enseja o restabelecimento do curso do processo. Precedentes citados: AgRg no RHC 24.689-RS, Quinta Turma, DJe 10/2/2012; e HC 210.122-SP, Sexta Turma, DJe 26/9/2011. RHC 41.527-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 3/3/2015, DJe 11/3/2015.
Admite-se a intervenção do querelante em habeas corpus oriundo de ação penal privada. Embora a regra seja a impossibilidade de intervenção de terceiros em sede de habeas corpus, a jurisprudência do STJ e do STF tem flexibilizado esse entendimento quando se trata de ação penal privada, permitindo-se, por conseguinte, que o querelante participe do julgamento. Precedentes citados do STJ: HC 27.540-RJ, Sexta Turma, DJ 27/6/2005, REsp 33.527-AM, Sexta Turma, DJ 2/8/1993. Precedente citado do STF: Pet 423-SP AgR, Tribunal Pleno, DJ 13/3/1992. RHC 41.527-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 3/3/2015, DJe 11/3/2015.
É lícita a apreensão, em escritório de advocacia, de drogas e de arma de fogo, em tese pertencentes a advogado, na hipótese em que outro advogado tenha presenciado o cumprimento da diligência por solicitação dos policiais, ainda que o mandado de busca e apreensão tenha sido expedido para apreender arma de fogo supostamente pertencente a estagiário do escritório – e não ao advogado – e mesmo que no referido mandado não haja expressa indicação de representante da OAB local para o acompanhamento da diligência. De fato, o inciso II e o § 6º do art. 7º da Lei 8.906/1994 dispõem, respectivamente, que são direitos do advogado “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia” e que “Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes”. A finalidade das normas acima transcritas é, claramente, salvaguardar o sigilo da profissão, respeitando-se as informações privilegiadas que os advogados recebem de seus clientes, em homenagem ao princípio da ampla defesa, previsto no art. 5º, LV, da CF. No caso em análise, os policiais estavam legitimamente autorizados a ingressar no escritório de advocacia por meio de mandado regularmente expedido, e a determinação de busca e apreensão se deu para o endereço profissional do investigado e não para uma sala ou mesa específica. Não obstante o mandado de busca e apreensão tenha sido expedido para apuração de crime praticado pelo estagiário do escritório, verificou-se, coincidentemente, no cumprimento da medida, a ocorrência flagrancial de dois outros crimes que possuem natureza permanente, ou seja, sua consumação se protrai no tempo. Contraria a razoabilidade exigir-se dos policiais envolvidos na diligência que fingissem não ter visto os crimes, para solicitar, a posteriori, um mandado específico de busca e apreensão para o escritório do advogado. Essa medida contrariaria o art. 301 do CPP: “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”. Desse modo, não há excesso por parte dos policiais envolvidos na busca e apreensão, uma vez que a busca em todo o escritório era necessária, haja vista que a arma de fogo pertencente ao estagiário poderia estar escondida em qualquer lugar do escritório, o que justifica a busca em todo o ambiente, e não apenas nos locais, em princípio de exercício da função de estagiário. Ressalte-se que a localização de elementos que configuram outros crimes, praticados por pessoa que não figura como objeto do mandado de busca e apreensão, insere-se na hipótese nominada pela doutrina de “encontro fortuito de provas”. Ademais, em que pese a não indicação expressa de representante da OAB local para o acompanhamento da diligência, foi solicitado, pelos policiais nela envolvidos, que um advogado estivesse presente e acompanhasse o cumprimento do mandado de busca e apreensão no escritório. Sendo assim, aplicando-se o princípio da instrumentalidade das formas, a finalidade da norma foi atingida, não havendo que se falar em nulidade, mas sim, se muito, em mera irregularidade. RHC 39.412-SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 3/3/2015, DJe 17/3/2015.
É nulo o acórdão que se limita a ratificar a sentença e a adotar o parecer ministerial, sem sequer transcrevê-los, deixando de afastar as teses defensivas ou de apresentar fundamento próprio. Isso porque, nessa hipótese, está caracterizada a nulidade absoluta do acórdão por falta de fundamentação. De fato, a jurisprudência tem admitido a chamada fundamentação per relationem, mas desde que o julgado faça referência concreta às peças que pretende encampar, transcrevendo delas partes que julgar interessantes para legitimar o raciocínio lógico que embasa a conclusão a que se quer chegar. Precedentes citados: HC 220.562-SP, Sexta Turma, DJe 25/2/2013; e HC 189.229-SP, Quinta Turma, DJe 17/12/2012. HC 214.049-SP, Rel. originário Min. Nefi Cordeiro, Rel. para acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 5/2/2015, DJe 10/3/2015.
O réu denunciado por crime na forma consumada pode ser condenado em sua forma tentada, mesmo que não tenha havido aditamento à denúncia. Inicialmente, vale ressaltar que a tentativa não é uma figura autônoma, pois a vontade contrária ao direito existente na tentativa é igual à do delito consumado. Também segundo a doutrina, o delito pleno e a tentativa não são duas diferentes modalidades de delito, mas somente uma diferente manifestação de um único delito. Como o réu não se defende da capitulação da denúncia, mas do fato descrito na exordial acusatória, não há a nulidade por ofensa ao art. 384 do CPP, quando o magistrado limita-se a dar definição jurídica diversa (crime tentado) da que constou na denúncia (crime consumado), inclusive aplicando pena menos grave. HC 297.551-MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 5/3/2015, DJe 12/3/2015.
Quando na denúncia não houver descrição sequer implícita de circunstância elementar da modalidade culposa do tipo penal, o magistrado, ao proferir a sentença, não pode desclassificar a conduta dolosa do agente – assim descrita na denúncia – para a forma culposa do crime, sem a observância do regramento previsto no art. 384, caput, do CPP. Com efeito, o dolo direto é a vontade livre e consciente de realizar a conduta descrita no tipo penal. A culpa, por sua vez, decorre da violação ao dever objetivo de cuidado, causadora de perigo concreto ao bem jurídico tutelado. A par disso, frise-se que, segundo a doutrina, “no momento de se determinar se a conduta do autor se ajusta ao tipo de injusto culposo é necessário indagar, sob a perspectiva ex ante, se no momento da ação ou da omissão era possível, para qualquer pessoa no lugar do autor, identificar o risco proibido e ajustar a conduta ao cuidado devido (cognoscibilidade ou conhecimento do risco proibido e previsibilidade da produção do resultado típico)”. Nesse passo, a prova a ser produzida pela defesa, no decorrer da instrução criminal, para comprovar a ausência do elemento subjetivo do injusto culposo ou doloso, é diversa. Assim, não descrevendo a denúncia sequer implicitamente o tipo culposo, a desclassificação da conduta dolosa para a culposa, ainda que represente aparente benefício à defesa, em razão de imposição de pena mais branda, deve observar a regra inserta no art. 384, caput, do CPP. Isso porque, após o advento da Lei 11.719/2008, qualquer alteração do conteúdo da acusação depende da participação ativa do Ministério Público, não mais se limitando a situações de imposição de pena mais grave, como previa a redação original do dispositivo. Portanto, o fato imputado ao réu na inicial acusatória, em especial a forma de cometimento do delito, da qual se infere o elemento subjetivo, deve guardar correspondência com aquele reconhecido na sentença, a teor do princípio da correlação entre acusação e sentença, corolário dos princípios do contraditório, da ampla defesa e acusatório. REsp 1.388.440-ES, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 5/3/2015, DJe 17/3/2015.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. Informativo 557 do STJ - 2015 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 abr 2015, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/informativos dos tribunais/44115/informativo-557-do-stj-2015. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
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